De que livro tu tiraste esta verdade?

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Outra vez conversaram meus olhos e teus óculos. Digo os óculos, pois nós sabemos que eles estão de tal modo pegados ao teu rosto que seria uma estranheza falar de forma diferente. Andei mesmo pela rua do medo, fiz adendos na madrugada. Havia na calçada um galpão de estacionamento, dentro dele a minha voz acendia e eu sorria, investindo no ato de nada reconsiderar. Um não bem dito (bendito!) contra o corpo de um amigo é remédio contra o vulgar. (Ei moço, me arruma uns fósforos? Deram-me uma caixa inteira)... Duas eu acho. Três da Gal. Quatro dos galos. Cinco dos sinos. Seis dos pães já prontos da padaria. Sete do sol medonho, melindrado. Oito do sim-é-dia, e só depois é que a noite desenssimesmará. Então, tu me dizes, delicada perversidade, saltinhos cor de poeira e manso coração-mirrado: "é desespero isso de andar pela cidade". Sou obrigada a te cumprimentar. "Há um excesso de verdade no mundo" - disse Raduan para uma galinha que ciscava, descompromissada, a terra do sitio - El Dourado de quem cansou dos ornamentos do circo. Depois ele desistiu, digo o Raduan. Assim, peço: não me ofertes o teu excesso de verdade, me deixa apenas a falta dela, essa mãe-d'água que nunca promete graça, milagre ou proteção. Não ouses furtar as minhas dores, foi muito difícil encontrá-las no Mercado Livre. Mas por que as cegonhas não são igualmente responsáveis pelo recolhimento dos bebês mortos? Tu, pela primeira vez em tua vida, tocas de leve as linhas da minha vida na palma honesta da minha mão, entrega-me um livro vermelho/branco: "Poesia da Recusa". Eu sei o que significa o livro, gente morta pra eu pôr no teu lugar

domingo, 28 de junho de 2015

  • Ao Jack
  • Quero, coração, esquecer-te como os vivos se esquecem dos mortos; como o eterno se esquece do fim. Quero esquecer-te como o poeta que desiste de sua lavra para olhar um pouco mais a ferida, antes de prendê-la numa sílaba; a vida, antes de salvá-la numa palavra. Quero, coração, esquecer-te como o poeta que faz um verso torto e, para não morrer de desgosto, deixa irromper seu desagrado. Quero, coração, amassar com as duas mãos o teu composto: este rascunho equivocado! Este brinquedo de fazer troça!... Eu quero, coração, embora tu bem saibas que eu não possa...

sábado, 9 de maio de 2015



Se acaso entrar a tristeza na fresta de tua porta: não te assusta, te comporta! Serve-lhe chá, não faças troça... Deixa descansar: é velha e há um sofá. Mira-lhe o cinza dos olhos e o verde-musgo das roupas; não a sirvas de maneira fria, pousa sobre a melhor louça as escondidas ambrosias... Sendo o caso, prepara-lhe um lava-pés com tuas lágrimas;
faz-lhe massagem com mãos de mágoas; oferece-lhe sem pavor o catálogo de tua dor, acrescido de um copo d'água. Prescruta-lhe bem os motivos, até que o ridículo da vida cave em ambos um riso... que como apito de trem, fim da visita anuncia - amém!

Construção da Alegoria - do amigo Nagib Jorge Neto

sábado, 21 de fevereiro de 2015


(Publicado no Jornal do Commercio, de Pernambuco em 20/02/2015)

Amoximoro II: o belo terrível

domingo, 18 de janeiro de 2015



Em matéria de amor
eu, doutor em chagrisse 
Pedrinho de petitices 
misto de lobo e pastor
Se o assunto é amor 
não me peças conselho 
sobrolhos em pesadelo 
mais fácil falar shikomor!
Vindo o amor na calçada 
atravessa, desce a escada 
salta-te logo debaixo d'água 
Sê avarento de sentimento 
poupando teu coração desta 
inútil sedição de tormento