Algo Comigo

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Os Cadernos de Malte Laurids Brigge é um livro escrito por Reiner Maria Rilke entre os anos de 1904 e 1910, período que, de acordo com os estudiosos de sua obra, aponta para as dificuldades que sobreviriam, e para aquela "crise de esterilidade criativa" que hora ou outra irromperia. Que será que acontece quando isso acontece? A tal "crise de esterilidade criativa"? Acho que aqui se faz como Rilke, pira-se absolutamente, vira-se doido de pedra em sanatório assustador. Que sobra a Rilke se o não-se-sabe-o-que lhe toma a possibilidade da escrita? Perguntaram a Clarice Lispector, pouco antes de sua morte (a real), o que ela fazia quando não estava escrevendo. "Quando não estou escrevendo, estou morta", disse. E esse "morta", pronunciado uma vez apenas, continuou rangendo quando ela já havia se calado: “morta”, “morta”, “morta”... impacientando quem o ouvia como uma porta velha, sem óleo nas dobradiças. Rilke morreu naqueles anos, antes mesmo de sua morte chegar em 1926, no sanatório assustador da Suíça. Devia não ver sentido naquela separação: um sanatório dentro de uma imensa casa de loucos. A loucura se compartibilizando, fazendo-se graus, com fita métrica em punho para medir a própria extensão. Naqueles anos arrastados, Rilke estava sozinho junto às paredes sujas e abandonadas da miséria, do feio e da morte, que com os dentes arreganhados aproximava-se dele como que da próxima refeição. Gosto do livro, da forma como Malte percebe-se sem saídas, das leituras que faz dos corpos e de tudo que esteja ao alcance da visão, que como se aponta no breve comentário que precede o livro propriamente dito, não aparece como um dado gratuito impresso no humano, mas como faculdade dificílima que deve ser cuidada e trabalhada para o bem de seu desenvolvimento. Gosto de ver Christine Brahe minando com Medo a impenetrabilidade da sala de jantar, e de Ingeborg, que ali é apenas um nome próprio... Gosto do jeito como se reporta à "mamãe", de como a descreve e do modo como sua loucura é construída no livro com letra lenta e delicada, e como nele, Malte, salpicam as circunvoluções do delírio materno. Lembra-me a irmã de Amabile e Rudah, que ainda não tem nome e que talvez não o tenha nunca, falando de sua mãe e de como desde menina ela não suportara o arranjo do mundo, até o dia na estação, quando finalmente entregou-se ao trem. E parece real, embora seja apenas estória criada nos lapsos de vida que se tem aqui e ali, dia sim, dia não, quando por fim, vemo-nos obrigados a dar continuidade à nossa puída teia de produção caseira sob pena de respirar muito mal à sua supressão. Malte é um convite a um gole da sede do estranhamento que é ser. Que se brinde, pois, em sua companhia!

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