A camponesa de nobre coração que vai todos os dias ao poço pegar água

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

(Jean-Baptiste-Camille Corot: “Pensive young woman” )

Não conheço Monteverde, meu senhor. Menos ainda o século por ele aberto. O que conheço é apenas este poço, em seu redondo-ovalado, na água escura que nos reflete antes do escurecer, nos caroços de frutas deixados aqui pelos pássaros que voam para onde não posso saber. Se quiseres, meu senhor, haverá ao pé de tua cama, um pequeno violino, embora eu lhe adiante que são demais para os teus dedos... Tinha de dizê-lo, pois talvez os machucasse enfrentando as cordas...e assim, eu teria de beijá-los nas pontas para que sarassem antes de o sol se ir. Não toque desse jeito a minha face, não a toque, já disse. Fique aí, do outro lado do poço, pois o poço já foi feito para isso. Não se aproxime, não fale, deixe-me apenas, e assim, talvez possa eu recolher o que cair de seu corpo ou de seu pensamento, e guardá-lo por um tempo de contentamento numa caixinha delicada e madreperolada feita em Istambul para guardar as feras que nos habitam...não seria uma alegria nas tardes em que eu viesse levar do poço a água, abri-la com gotas de temor inflando os olhos?... Vou-me embora meu senhor, e amanhã virei pegar mais água...todos os dias virei, prometo-lhe.

3 comentários:

Hérlon Fernandes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hérlon Fernandes disse...

Cara Ângela,
Que bela surpresa encontrar seu blog! Quanta alma eu senti em tudo o que você escreveu - cada detalhe tem uma emoção, uma luz, um significado especiais!
Queria uma caixinha dessas, feitas em Istambul... Depois te ensino minha receita de guardar (ou ao menos domar) minhas feras!
Um abraço cheio de paz.
Já sou fã do seu blog.
Beijos.

Ângela Calou disse...

A surpresa é toda minha, e surpresa boa, diga-se, vc por aqui, na partilha de nossos desertos.

Vou esperar a receita, e enquanto ela não chega vou guardando o que vier de dentro na caixinha turca produzida para tal!

abraço sim, e outro bj!